domingo, 28 de fevereiro de 2010

"O Norte", de Miguel Esteves Cardoso

'Primeiro, as verdades.
O Norte é mais Português que Portugal.
As minhotas são as raparigas mais bonitas do País.
O Minho é a nossa província mais estragada e continua a ser a mais bela.
As festas da Nossa Senhora da Agonia são as maiores e mais impressionantes
que já se viram.
Viana do Castelo é uma cidade clara. Não esconde nada. Não há uma Viana
secreta. Não há outra Viana do lado de lá. Em Viana do Castelo está
tudo à vista. A luz mostra tudo o que há para ver. É uma cidade
verde-branca.
Verde-rio e verde-mar, mas branca. Em Agosto até o verde mais escuro, que se
vê nas árvores antigas do Monte de Santa Luzia, parece tornar-se
branco ao olhar. Até o granito das casas.

Mais verdades.

No Norte a comida é melhor.
O vinho é melhor.
O serviço é melhor.
Os preços são mais baixos.
Não é difícil entrar ao calhas numa taberna, comer muito bem e pagar uma
ninharia.
Estas são as verdades do Norte de Portugal.
Mas há uma verdade maior.
É que só o Norte existe. O Sul não existe.
As partes mais bonitas de Portugal, o Alentejo, os Açores, a Madeira,
Lisboa, et caetera, existem sozinhas. O Sul é solto. Não se junta.
Não se diz que se é do Sul como se diz que se é do Norte.

No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos. Quem é que se
identifica como sulista?
No Norte, as pessoas falam mais no Norte do que todos os portugueses juntos
falam de Portugal inteiro.

Os nortenhos não falam do Norte como se o Norte fosse um segundo país.
Não haja enganos.
Não falam do Norte para separá-lo de Portugal.
Falam do Norte apenas para separá-lo do resto de Portugal.
Para um nortenho, há o Norte e há o Resto. É a soma de um e de outro que
constitui Portugal.

Mas o Norte é onde Portugal começa.
Depois do Norte, Portugal limita-se a continuar, a correr por ali abaixo.
Deus nos livre, mas se se perdesse o resto do país e só ficasse o
Norte, Portugal continuaria a existir. Como país inteiro. Pátria mesmo, por
muito pequenina. No Norte.
Em contrapartida, sem o Norte, Portugal seria uma mera região da Europa.
Mais ou menos peninsular, ou insular.
É esta a verdade.
Lisboa é bonita e estranha mas é apenas uma cidade. O Alentejo é especial
mas ibérico, a Madeira é encantadora mas inglesa e os Açores
são um caso à parte. Em qualquer caso, os lisboetas não falam nem no Centro
nem no Sul - falam em Lisboa. Os alentejanos nem sequer falam do
Algarve - falam do Alentejo. As ilhas falam em si mesmas e naquela entidade
incompreensível a que chamam, qual hipermercado de mil
misturadas, Continente.
No Norte, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. Está muito
estragado, mas é um estragado português, semi-arrependido, como quem
não quer a coisa.

O Norte cheira a dinheiro e a alecrim.

O asseio não é asséptico - cheira a cunhas, a conhecimentos e a arranjinho.
Tem esse defeito e essa verdade.

Em contrapartida, a conservação fantástica de (algum) Alentejo é impecável,
porque os alentejanos são mais frios e conservadores (menos
portugueses) nessas coisas.

O Norte é feminino.

O Minho é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulher
portuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha
pequenina, o Norte dá nas vistas sem se dar por isso.

As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis,
daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a
escrever-se sozinhos.

Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de
frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não
dão confiança. Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e
honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem
belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade.
Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas,
da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de
um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito. Gosto
das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de
carrapito perfeito, que têm os olhos endurecidos de quem passou a vida
a cuidar dos outros. Gosto dos brincos, dos sapatos, das saias. Gosto das
burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens.
Fazem-me todas medo, na maneira calada como conduzem as cerimónias e os
maridos, mas gosto delas.

São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem.

As mulheres do Norte deveriam mandar neste país.

Têm o ar de que sabem o que estão a fazer. Em Viana, durante as festas, são
as senhoras em toda a parte.
Numa procissão, numa barraca de feira, numa taberna, são elas que decidem
silenciosamente.

Trabalham três vezes mais que os homens e não lhes dão importância especial.
Só descomposturas, e mimos, e carinhos.

O Norte é a nossa verdade.

Ao princípio irritava-me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no
Norte, porque me parecia que o orgulho era aleatório. Gostavam do
Norte só porque eram do Norte. Assim também eu. Ansiava por encontrar um
nortenho que preferisse Coimbra ou o Algarve, da maneira que eu,
lisboeta, prefiro o Norte. Afinal, Portugal é um caso muito sério e compete
a cada português escolher, de cabeça fria e coração quente, os
seus pedaços e pormenores.

Depois percebi.

Os nortenhos, antes de nascer, já escolheram. Já nascem escolhidos. Não
escolhem a terra onde nascem, seja Ponte de Lima ou Amarante, e apesar
de as defenderem acerrimamente, põem acima dessas terras a terra maior que é
o 'O Norte'.

Defendem o 'Norte' em Portugal como os Portugueses haviam de defender
Portugal no mundo. Este sacrifício colectivo, em que cada um adia a sua
pertença particular - o nome da sua terrinha - para poder pertencer a uma
terra maior, é comovente.

No Porto, dizem que as pessoas de Viana são melhores do que as do Porto. Em
Viana, dizem que as festas de Viana não são tão autênticas
como as de Ponte de Lima. Em Ponte de Lima dizem que a vila de Amarante
ainda é mais bonita.
O Norte não tem nome próprio. Se o tem não o diz. Quem sabe se é mais Minho
ou Trás-os-Montes, se é litoral ou interior, português ou galego?
Parece vago. Mas não é. Basta olhar para aquelas caras e para aquelas casas,
para as árvores, para os muros, ouvir aquelas vozes, sentir
aquelas mãos em cima de nós, com a terra a tremer de tanto tambor e o céu em
fogo, para adivinhar.

O nome do Norte é Portugal. Portugal, como nome de terra, como nome de nós
todos, é um nome do Norte. Não é só o nome do Porto. É a maneira
que têm de dizer 'Portugal' e 'Portugueses'. No Norte dizem-no a toda a
hora, com a maior das naturalidades. Sem complexos e sem
patrioteirismos. Como se fosse só um nome. Como 'Norte'. Como se fosse assim
que chamassem uns pelos outros. Porque é que não é assim que nos
chamamos todos?'

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Poema (em vez de crítica) para António Sérgio, de Manuel Alegre

O prof. José Manuel Conceição apresentou um poema de Manuel Alegre no final da palestra que realizou sobre António Sérgio, no passado dia 19 de Fevereiro. Por ser um poema muito bonito, que nos faz reflectir sobre a dúvida, o espírito crítico, o não conformismo, a busca..., parece-me importante divulgá-lo aqui. É uma visão do poeta sobre este intelectual português :
Poema (em vez de crítica) para António Sérgio
Alguns procuravam a salvação
embebedavam-se de metafísica e de palavras.
Tu não propunhas solução:
interrogavas.
Alguns perdiam-se muito
drogavam-se com miragens: coisas misteriosas e excessivas.
Tu despiste a casaca do Absoluto
e vieste arranhar (arranhar-te) nas pedras vivas.
Alguns coroavam Ubu
de rei Artur.
Tu soubeste dizer que o rei vai nu
E estavas contra em tempo de ser por.
Alguns vestiam-se de Quinta Essência
embalsamavam-se na farda do Crês Ou Não Crês.
Tu chegavas às portas da evidência
pelos caminhos do talvez.
Pedias uma crítica: só posso uma canção.
Que poeta eras tu: demolidor do mito e da certeza
abriste as avenidas da discussão
nesta apagada e vil tristeza.
E quando outros (em nome da Fé)
matavam com fé a nossa crença
tu disseste que todo o dogma é uma doença
e ensinaste-nos a crença do porquê.
Manuel Alegre
Luísa Godinho

Evocação de figuras da História e da Cultura portuguesas










O grupo de História tem no seu Plano Anual de Actividades o projecto de evocação de figuras da História e da Cultura portuguesas. Essas personalidades foram escolhidas segundo o critério de, não obstante o relevo da sua acção, estarem pouco estudadas ou terem sido "esquecidas" pelos programas e manuais escolares. É neste contexto que, com o apoio da Biblioteca na nossa Escola e da Casa António Sérgio, está patente no primeiro andar uma exposição sobre António Sérgio, da qual fazem parte diversos trabalhos de alunos das turmas do 9º ano, do 10ºC e do 11ºG.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Palestra sobre António Sérgio


No âmbito das actividades do Grupo de História e da Biblioteca da nossa Escola, realizou-se na passada sexta feira uma palestra sobre António Sérgio (1883-1969) da responsabilidade do professor José Manuel Conceição. Conforme o próprio explicou aos presentes (alunos do 9º, 10º e 12º anos e algumas professoras), foi com a idade dos nossos jovens que travou conhecimento com o pensamento do autor, o qual o fascinou sobremaneira pelo incitamento ao espírito crítico. A partir daí leu e recolheu uma vasta bibliografia de António Sérgio, seguindo as diferentes áreas do seu pensamento, desde a ciência, à filosofia, à política, à história...
Sérgio não se identificou completamente com qualquer dos regimes políticos que a sua vida abarcou (a Monarquia ou a República) e foi preso por cinco vezes durante a ditadura salazarista. Reflectiu intensamente sobre a problemática da educação, colaborou em várias revistas e deixou uma vasta bibliografia teórica. Introduziu em Portugal a ideia do corporativismo.
António Sérgio foi, acima de tudo, um defensor do pensamento crítico e da liberdade.
A biografia do autor e a síntese do seu pensamento foram-nos apresentadas com o brilhantismo , o entusiasmo e a vasta cultura que todos reconhecem no prof. José Manuel Conceição. A sessão terminou com um poema de Manuel Alegre sobre Sérgio e a audição de um excerto de uma entrevista de Igrejas Caeiro a António Sérgio.

Luísa Godinho

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Situada mesmo em frente da Igreja Matriz de Oeiras, a rua Febus Moniz é uma das ruas mais antigas de Oeiras, senão a mais antiga. Para quem sai da Igreja, é, talvez, o caminho mais curto para chegar aos antigos aposentos do Conde de Oeiras, o que prova a importância que teve noutros tempos, antes de existir a rua principal da vila, a rua Cândido dos Reis. O nome Febus Moniz revela um sentimento anti-castelhano das gentes de Oeiras. Para mim, os nomes das ruas e das avenidas devem ser uma espécie de engramas colectivos, registos da nossa memória histórica. Curiosamente, está na moda, hoje, atribuir nomes de flores, de árvores, como por exemplo, a rua das rosas, dos goivos, das tulipas, etc., enfim, termos mais ou menos assépticos, que denunciam a desmemorização histórica da pós-modernidade, em que vivemos. Quem atribuiu o nome de Febus Moniz a essa rua exígua, mas que outrora teria sido a maior e a mais importante rua de Oeiras, quis, muito provavelmente, homenagear esse grande português e, sobretudo, manter viva a identidade de Portugal e honrar o corajoso povo de Lisboa, num período em que as classes nobres se acobardaram e muitos atraiçoaram a memória dos seus antepassados.

Quem foi afinal Febus Moniz? Febus Moniz nasceu em 1515 e foi um fidalgo muito estimado na corte de D. Catarina e de D. Sebastião. Desempenhou vários cargos no Paço, dos quais se destacou, em 1580, a eleição para Procurador às Cortes de Almeirim. Em Almeirim, marcou, com a sua presença, a força do espírito português da independência do reino. Descendente de família ilustre, cavaleiro da Ordem de Cristo e camareiro de El-Rei, desempenhava o cargo de presidente da Assembleias dos deputados da Vila e Cidades, quando das terras marroquinas de Alcácer Quibir, veio a notícia do desaparecimento do jovem Rei D. Sebastião, que, com o seu exército, tinha sido derrotado pela força inimiga, no dia 4 de Agosto de 1578.

Em 11 de Janeiro de 1580, reúnem-se as Cortes para discutir a eleição do Rei português, que deveria substituir o Cardeal-Rei D. Henrique, já velho e doente.

Já durante as reuniões preparatórias e nas assembleias, Febus Moniz terá produzido várias intervenções, com grande carga emotiva. Nestes actos e nas Cortes, e apesar dos seus 64 anos, defendeu sempre a causa da independência nacional, com grande patriotismo. Representando o povo, pediu que entregassem o reino a um governante português, ao que se opuseram os membros do clero e da nobreza.

De entre os procuradores das várias cidades do reino, foi dos que melhor defendeu a causa da independência portuguesa, proclamando a vergonha de se aceitar um rei estrangeiro. Assim, perante as Cortes, Febus Moniz agiu como procurador do povo de Lisboa, fazendo ouvir a sua voz exaltada por um sentimento patriótico, mas de tom firme, autoritário e seguro, apesar da sua idade já avançada. Disse, de olhos nos olhos, ao Cardeal-Rei:

”Que Vossa Alteza oiça o povo e se tiver direito a eleger, eleja rei português, porque, sendo castelhano não será recebido nem obedecido”.

Quando o medroso Cardeal D. Henrique reconheceu ao soberano espanhol o direito do trono português, Febus Moniz ficou desesperado por ver que o país iria cair nas mãos de um monarca estrangeiro.

Após a dissolução das Cortes, Febus Moniz retirou-se para Santarém, afastando-se de uma causa já irremediavelmente perdida.

Quando Filipe II subiu ao poder, ordenou a prisão de Febus Moniz (e de todos aqueles que se lhe tinham oposto), vindo este a morrer, no cárcere, poucos dias depois, no ano de 1580.

José António, prof. de Filosofia da ESQM

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Terra Fria


Ontem, dia 18, tivemos (professores e alunos do 11ºE) o grande privilégio de acompanhar o David Silva no lançamento do seu primeiro livro de poemas, A Terra Fria. Foi um serão inesquecível junto do David, dos seus pais e de amigos que se reúnem regularmente para desfrutar do prazer da poesia. Amantes da palavra escrita, declamada e musicada, proporcionaram-nos um momento cultural muito singular. Ouvimos poemas do David e de outros autores, poesia em mirandês, gaita de foles, canções populares...
No final da sessão o colega de turma João Mateus pediu a palavra e enalteceu o David, particularmente pela pessoa distinta que ele é. O João transmitiu o sentimento de todos nós.
Curiosamente, uma senhora sentada à minha frente perguntou, em seguida, qual era a escola dos jovens. Respondi-lhe que eram da Quinta do Marquês. - Que sorte têm os professores dessa escola!, concluiu a referida senhora.
Temos, realmente. muita sorte!

Luísa Godinho

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Adesão da Turquia: sim ou não?


A Turquia vive um conflito entre os islâmicos moderados e os fundamentalistas. Felizmente, o governo e a maioria das patentes das forças armadas são moderados, mas precisam da ajuda dos países democráticos para evitar que a Turquia se transforme num país fundamentalista. Convém não esquecer que a Turquia tem o sétimo exército mais poderoso do mundo.

Quando estive em Istambul, vi, no estreito do Bósforo, várias plataformas petrolíferas. Instambul é uma cidade verdadeiramente cosmopolita e ocidental. Na avenida principal de Istambul, visitei uma lindíssima igreja cristã e não era a única em Istambul. Penso que a Turquia, desde a visita de Barak Obama, deixou de estar interessada em aderir à U. E., vamos lá saber qual a razão?!... A U. E. perdeu, desde há algum tempo, a sua identidade, sobretudo, a partir da adesão dos países do leste, ex-comunistas. Neste momento, aquilo que denominamos U.E. é um conjunto de estados diversos, em que alguns deles nunca foram um bom exemplo de democracia e que vivem em situações políticas muito periclitantes, como é o caso da Ucrânia. Os recentes países que aderiram à U.E. estão longe de cumprir os critérios de Copenhaga, mas, no entanto, nem por isso deixam de pertencer à União.

Na verdade, qual o interesse da Turquia em entrar numa U.E., uma União com 85 milhões de pobres, repito 85 milhões de pobres, e mais de 25 milhões de desempregados? A Turquia continua a ser um país da N.A.T.O. de corpo inteiro, com o apoio militar da maior potência mundial, os E.U.A.

Lamento, mas a E.U. não é herdeira desse “espírito ocidental”, mas, sim, de uma economia de mercado que colide, há muito, com os valores cristãos, valores que não são abstractos, uma vez que estão explícitos nas encíclicas dos Papas contemporâneos, João XXIII, (Pacem in Terris) Paulo VI (Populorum Progressio), João Paulo II (Laborem Exercens), (Centesimus Annus), Bento XVI (Caritas in Vertitate). Lamento, mas o projecto Europeu constituiu, a meu ver, um projecto de despiritualização, de materialização dos valores europeus, dominados por uma ideologia tecnocrata, sem rosto e niilista. O problema da U.E. não é a Turquia, mas a própria U.E.

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html

José António, Prof. de Filosofia da ESQM

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O General sem medo


Humberto da Silva Delgado participou activamente no golpe militar de 28 de Maio de 1926, que levou ao derrube do regime republicano parlamentar e instituiu a ditadura militar que vigoraria até 1933, data em que foi constituído o Estado Novo, liderado pelo Doutor António Oliveira Salazar. Delgado foi durante alguns anos grande defensor do regime, devido, sobretudo, ao seu carácter anti-comunista. Depois de ter ocupado elevados cargos nas Forças Armadas, foi nomeado, em 1952, adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos Representantes Militares da NATO. Durante a sua estada nos EUA, Delgado modificou as suas concepções políticas. Foi, então, em 1958, convidado por opositores ao regime de Salazar a candidatar-se à Presidência da República, opondo-se ao candidato do regime, o Contra-Almirante Américo Tomás. Aceita e congrega à sua volta toda a oposição ao Estado Novo. Quando foi entrevistado durante a campanha eleitoral e lhe perguntaram o que faria a Salazar se vencesse as eleições, o General Delgado respondeu peremptoriamente: “Obviamente, demito-o”.

Embora tenha tido um apoio popular sem precedentes, acabou por perder as eleições devido à fraude eleitoral montada pelo regime de Salazar. Após a derrota eleitoral, foi perseguido e teve que se exilar no Brasil. No dia 13 de Fevereiro de 1965, em circunstâncias pouco esclarecidas, julgando ir ao encontro de opositores a Salazar, é assassinado, em Badajoz, juntamente com a sua secretária, por agentes da PIDE, liderados pelo inspector Rosa Casaco. Depois da revolução dos cravos é promovido a Marechal, a título de póstumo, e cognominado “General sem medo”. O General Humberto Delgado é um símbolo da resistência não-comunista ao regime ditatorial, uma das figuras mais importantes da nossa história contemporânea. Ontem, dia 13 de Fevereiro, fez, exactamente, 45 anos que o general tombou em terras de Espanha, junto à fronteira portuguesa, desaparecendo com ele todas as esperanças dos democratas, e de toda a oposição não-comunista.

José António, prof. de Filosofia da ESQM

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A construção da UE: Turquia, o sim assim não!

O jornal I noticiou hoje mais um atentado aos direitos humanos na Turquia: Turquia: adolescente enterrada viva por falar com rapazes.

É assustador ler uma notícia como esta nos dias de hoje:

«O "crime" de Medine Memi foi apenas um: ter amigos do sexo masculino. Depois de a jovem de 16 anos ter sido dada como desaparecida durante 40 dias, o seu corpo foi encontrado enterrado por baixo de um galinheiro no quintal da sua casa. Medine foi enterrada viva pela família, como castigo pela infelicidade que, diz o pai, trouxe a toda a família, por ter amigos rapazes.»

Este crime hediondo ocorre aqui ao lado, num país que está parte na Europa, parte na Ásia. Num país que, pasme-se, é um forte e persistente candidato a aderir à União Europeia, aquela que tem uma Carta Europeia de Direitos do Homem, e um Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Serão só pormenores?

A verdade é que, ao contrário do que os nossos partidos de forma politicamente correcta nos querem fazer crer (excepção seja feita ao CDS), a Turquia ainda não está prepara para entrar na União Europeia.

Este estado, que se diz laico mas é dominado pelo Islão, alberga o radicalismo da religião de Maomé, não cumprindo os critérios da democraticidade exigidos pelos critérios de Copenhaga (nomeadamento o critério político).

A União Europeia foi construída e fundada em ideais que não se podem descartar assim! O espírito ocidental, de inspiração cristã e democrática, herdeiro de uma história civilizacional imensa, opõe-se fortemente ao que encontramos na Turquia, e é principalmente por isso que não concordo com a entrada desta na UE. Pelo menos, assim não!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

La Carmagnole


A Carmagnole - ou dança à volta da guilhotina - foi uma canção revolucionária dos sans-culottes, com origem anónima. A sua letra enaltecia as acções do povo na rua durante o período da Revolução Francesa, sendo a primeira registada de Agosto de 1792 e sucessivamente alterada em 1830, 1848, 1863 e 1882, pelo que podemos afirmar que teve diferentes usos, consoante as ocasiões. É especialmente irónica quando chama aos monarcas Madame e Monsieur Veto (Senhora e Senhor Veto).













Tomás, 11E

La Marseillaise


Inicialmente chamado de Chant de marche des volontaires de l'armée du Rhin (Canto de Guerra para o Exéricto do Reno), o hino francês é uma canção revolucionária composta a pedido do barão de Dietrich, dias depois da declaração de guerra ao imperador austríaco.
Inicialmente composta para entusiasmar os soldados, a sua popularidade estendeu-se por toda a França revolucionária, tornando-se especialmente usada nos exércitos de Marselha. Em 1795 a Convenção adopta-a como hino nacional, sofrendo um longo interregno durante a época do Consulado e depois com a restauração, com Luís XVIII. Finalmente, na III República, em 1879, ganha carácter definitivo.
Existem diversas versões da peça, destaque para a orquestração feita por Berlioz.

Tomás, 11E

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Um conto de António Sérgio


A dança dos Meses

Eram uma vez duas velhinhas, que moravam numa casa ao pé de uma mata. Tinha cada uma o seu quarto de cama, e havia uma sala de jantar para as duas manas. Uma delas chamava-se Eusébia, e a outra, Adelina.
Uma manhã, a tia Adelina levantou-se cedo - muito cedinho, varreu o quarto, fez a cama, e saiu. Foi andando por ali fora com seu passo curto e apressadito, para ir apanhar na mata alguma lenha. Em certo momento, viu um pássaro -piu, piu, piu, - que andava aos saltos diante dela, que piava, e que se não ia para longe da nossa velha. A tia Adelina gostou do pássaro, sorriu-Ihe, cantou, e foi seguindo por onde ele queria. Seguiu, seguiu, seguiu, e o pássaro sempre a pipilar - piu, piu, piu, - e a nossa velhinha atrás do pássaro. Em certo momento, chegou a um rio, e apareceu-Ihe uma casa por detrás de um salgueiro, toda coberta por folhas de hera. O pássaro saltitou para lá, e a velha entrou. Achou-se numa sala muito grande. Em volta, junto às paredes, estavam doze rapazes muito bonitos, vestidos de seda, cada um com o fato de sua cor. Os rapazes chegaram-se, formaram uma roda, e começaram a dançar em redor da velha:
Gira a roda, gira, gira, É um ano inteiro na gira, São três por quatro a girar: Quem é que gira na roda? Quem é que canta esta moda? Quem é que baila a cantar? Gira a roda....gira...gira, Gira...gira...gira...gira, São três por quatro a girar!
A velha sorria, muito entretida a ver a dança. Quando pararam, um dos rapazes perguntou-lhe: "De qual dos meses gostas mais?"
A tia Adelina olhou para ele muito risonha, e respondeu -lhe: "Ora, de qual gosto mais! Gosto de todos. Todos eles são bons".
"Todos bons? - insistiu o rapaz. - Todos eles igualmente bons? Pois achas que Dezembro e Janeiro, com chuva e frio, são tão bons e agradáveis como o mês de Abril, com suas flores?"
"Ora - respondeu a velha -, se não chovesse nos outros meses, não poderia haver as flores no mês de Abril. Todos são bons. Já lhes disse que me agradam todos". E sorria.
"Está bem, está bem - respondeu o rapaz que lhe falara. - Toma este saco. Dou-to de presente com o que tem lá dentro. Quando quiseres, podes sair"
A tia Adelina agradeceu, saiu, disse o seu adeus ao passarito, voltou pelo caminho por onde tinha vindo, e chegou enfim à sua casa.
A mana Eusébia, já levantada, estava a varrer o seu próprio quarto, e mal disposta, rabugenta, por ter de fazer esse trabalho.
Disse-lhe assim a mana Adelina: "Não te apoquentes por tão pouca coisa. Eu vou ajudar-te". E ajudou-a. Quando acabaram, a tia Eusébia perguntou à outra: "Que trazes tu naquele saquinho?"
A tia Adelina respondeu: "Nem vi ainda. Deram-mo numa casa da mata uns rapazes que lá achei. Vamos abri-lo". A tia Adelina abriu o saco, e ficou espantada. De cada vez que metia a mão, saia de lá de dentro uma coisa boa. Era um vestido, que lhe servia muito bem; eram roupas brancas muito finas; eram lindas frutas de conserva; eram... eu sei lá! Eram tantas coisas, que parecia impossível que pudessem caber naquele saquinho.
E a tia Eusébia disse então: "Bonitas e boas coisas te deram os tais rapazes, não haja dúvida. E agora dize: como foste parar à casa deles?"
"Ora, é muito simples". E a tia Adelina explicou-lhe tudo: a estrada, a mata, o rio, o pássaro, o salgueiro, a casa coberta de folhas de hera...
A mana Eusébia só resmungou: "Está bem, está bem. Pois sempre tiveste muita sorte, ó mana Adelina! Foi sempre assim!"
A tia Adelina respondeu-lhe: "Lá isso é verdade. Foram muito bons os rapazinhos. Temos aqui muita coisa boa para nós as duas".
No dia seguinte muito cedo, pela manhã, a tia Eusébia levantou-se muito cedo, vestiu-se, saiu, e foi pelo caminho que a mana Adelina lhe ensinara. Chegou ao rio, e apareceu-Ihe a casa por detrás do salgueiro, toda coberta de folhas de hera.
A velha entrou. Viu-se na sala grande. Os rapazinhos lá estavam. Uniram as mãos, e dançaram em roda:
Gira a roda, gira, gira, É um ano inteiro na gira, São três por quatro a girar : Quem é que gira na roda? Quem é que canta esta moda? Quem é que baila a cantar? Gira a roda...gira...gira, Gira...gira...gira...gira, São três por quatro a girar!
Enquanto os rapazes dançavam, a tia Eusébia aborrecia-se; já lhe parecia dança de mais.
Quando pararam, um deles adiantou-se e perguntou: "De quais dos meses gostas tu?"
A tia Eusébia resmungou: "Ora, que ideia! A que vem a pergunta sobre os meses? Eu sei lá! Cá para mim, são todos maus. Uns dão frio; outros dão vento; outros, calor. Todos me custam a aturar."
"Está bem, está bem - respondeu o rapazinho. - Toma este saco. Dou-to de presente com o que tem lá dentro. Adeus. Podes sair".
A tia Eusébia lá se foi com o seu saquinho, voltou pelos sítios por onde tinha vindo, chegou a casa, não disse nada à sua mana, fechou-se no quarto muito bem fechada, e abriu o saco...
Ih Jesus! No saco só havia lagartos!
E acabou-se a história.
Isabel Pinto